quinta-feira, 6 de agosto de 2009


Foto: Yuren

Às vezes, aqui, neste meio onde a minha vida paira, sinto-me uma coleccionadora de histórias. Aqui, neste país onde tudo é possível encontro todos os dias histórias novas. Umas boas, outras más, umas impressionantes, outras arrepiantes, umas felizmente, outras infelizmente e ainda outras que são um misto da felicidade e da infelicidade.

Com uns olhos que enchem o mundo, com um riso, no mínimo contagiante, de uma esperteza soberba, de um tacto impressinante para uma criança de 2 anos, de um desenrasco digno de um órfão do orfanato 1º de Maio, de um abraço pequenino, de um "Joana" constante, de uma adoração impossível de não sentir, apresento-vos hoje o Yuren.

O Yuren é uma pequena criança que se encontra entre tantas outras no orfanato 1º de Maio. Apesar da multidão que o rodeia, este pequeno sempre se destaca. Pela sorriso, pela simpatia, pela brincadeira, pela simplicidade, pelo andar tonteante, pela pessoa que aos 2 anos já é.
O Yuren chegou ao orfanato 1º de Maio poucos dias depois de nascer. A sua mãe abandonara-o no caixote de lixo. Ao contrário do que inicialmente achávamos a mãe do Yuren não era mais uma moçambicana que no meio de tantas outras provinha de uma família pobre que não podia sustentar mais uma criança. Não. Estamos a falar de uma mãe que, tendo posses e possibilidade de sustentar uma criança, não o quis. Estamos a falar de uma mulher formada que largou um filho dentro do caixote de lixo deixando-o ao sabor da, mais provável, morte, estamos a falar de um abandono bruto, doloroso, monstruoso.
Encontraram o Yuren ainda com vida. Mais, conseguiram descobrir a mãe do Yuren e coloca-la na prisão durante uns tempos. Não me perguntem quanto tempo foi, não vos sei dizer. Mas deveria ter ficado lá. Quem pode quantificar numa pena de prisão um gesto tão bárbaro como este?

O Yuren acaba por entrar no Orfanato 1º de Maio ainda com os seus dias, semanas talvez, não mais. Durante os quase 3 anos que ali esteve a vida desta criança tem parecido um objecto. Falar assim da vida de uma criança é assustador, mas a forma como a vida do Yuren naquele orfanato se tornou uma peça de um jogo de damas é surreal.
Comecemos pela altura em que a mãe do Yuren sai da prisão e tenta encontrar o filho (será que ainda devo chamar o pequeno Yuren filho desta pessoa monstruosa?)para o matar. Sim leste bem. MATAR! Ainda não contente por tudo o que já fizera, deitara a culpa da sua entrada na prisão em cima daquela frágil criança que nunca pediu para nascer, muito menos para entrar neste jogo terrível em que se tornou o seu passado.

O Yuren passou de uma peça no jogo da sua mãe para passar a uma peça no jogo do próprio orfanato em que se encontra ainda hoje. Sim, o Yuren tornou-se a criança mais "chamativa" do Orfanato. Serei muito bruta a por as coisas nestes termos? A pureza e o brilho nos olhos daquela pequena criança não passam despercebidos a ninguém, todas as pessoas que ali entram rendem-se ao seu jeito tão típico. Vejam, falando bruto e grosso, esta criança era fundamental para o Orfanato.
Estou a ser clara? Talvez não. Existe apenas uma conta para o orfanato inteiro. A verdade é que o Yuren conseguiu inúmeros "padrinhos" durante os seus 3 anos dentro daquelas paredes e a verdade é que o pobre Yuren nunca verá aquele dinheiro. Nunca verá porque já não lá se encontra. Nem em conta alguma, nem em sitio algum que se saiba. A vida desta criança tornou-se um ponto fulcral no financiamento deste orfanato. Espera. Estamos a falar de uma criança. Ainda te lembras? Uma criança que é tratada quase como que uma atracção de circo. É tão triste.

Sente aquilo que te digo. Estou a dizer-te que o próprio orfanato não deixava que se adoptasse o Yuren simplesmente porque ele era "bastante produtivo". Sim, pessoas destas existem no nosso Mundo.

Hoje o Yuren vai ser adoptado. Um casal, que segundo percebi são pessoas extraordinárias, foram contra tudo e todos e vão adoptar o Yuren e mais 3 crianças do Orfanato 1º de Maio. O Mundo precisava de mais pessoas a lutar assim por aquilo em que acreditam, e este casal é a prova disso.


Ainda existe alguma justiça neste Mundo, por muito pouca que seja, ainda existe.

2 comentários:

  1. Arrepio me a ler cada um dos teus relatos.
    Talvez porque sei que são e como são verdadeiros!
    Obrigado Ana por mostrares tão bem aquilo que não conseguimos dizer com palavras ditas ou escritas.

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  2. Querida Ana,
    Muito obrigada pela coragem de falar daquilo que nao consiguimos dizer. De facto o que falas do Yuren e do Orfanato e verdade. Eu ja convivi com aquelas pobres criancas. Mete muita pena. Sempre que eu fosse la visitar voltava a chorar. Estou muito feliz em saber que o lindo Yuren finalmente vai ter uma familia que lhe vai amar tanto.

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