segunda-feira, 3 de agosto de 2009


Foto: Brigida

Hoje, África não teve um bonito por-de-sol.
Hoje, não senti a beleza da cidade.
Hoje, não me senti encaixada.
Hoje, senti a revolta.
Hoje, senti uma revolta tão grande.
Hoje, o dia não fez sentido.

África é intensa. Não me canso de o dizer. A vida tem outro ritmo, a caminhada outro passo, o respirar outra velocidade. A intensidade aqui cheira-se, apalpa-se, vê-se, ouve-me, sente-se.
Hoje a intensidade que amo em África trocou-me as voltas, apanhou-me desprevenida e atingiu-me com toda a força.

De face redonda, com umas bochechas acentuadas, olhos meio em bico, trancinhas no cabelo, o riso sempre estampado na cara, as mãos pequeninas, o olhar sempre preso e distraído com alguma coisa, a Brigida senta-se sempre na 2 carteira de frente. A Brigida é uma das minhas alunas da Escola Maxaquene Khovo. Hoje, sentada na carteira de aula dela, senti o horror na minha cara. Acho que foi das primeiras vezes que o senti. O horror é frio, deixa-nos apáticos, provoca suores frios, e deixa-nos sem conseguir pensar.

_ Brigida quem era aquele senhor que na sexta entrou na nossa sala?
_ Era o porteiro senhora professora.
_ Porteiro? A Ema estava a dizer que ele era teu namorado. É verdade?
_ É! Ele diz que ele é meu namorado. (Sim, o horror começou aqui a apoderar-se de mim. Saber que um homem de 40 e tal anos porteiro de uma escola primária andava a dizer que era namorado de uma menina frágil de 7 anos horrorizou-me)
_ Oh Brigida mas ele não é muito velho para ti? Não gostas mais dos meninos das outras salas?
_ Ele é que diz que é meu namorado!
_ Mas costumas falar com ele?
_ Sim. No final da aula ele fala comigo.
_ Mas ele já te fez alguma coisa?
_ Não professora. Ele quer acompanhar-me a casa agora porque está de noite. - aqui, admito, não sei distinguir se foi horror, se foi pânico, se o que foi. Apenas vos digo, é um sentimento horrível.
_ Mas tu vais sozinha?
_ Não. Vou com o meu irmão. Mas ele disse que me quer levar sozinha, que não é preciso o meu irmão levar-me a casa, que ele leva.

Saber que aquele homem que me passou durante um mês totalmente despercebido andava a tratar a minha pequena, com cara de boneca e frágil Brigida por "pita pequena" e que andava a ter estas atitudes de monstro horrorizou-me. Percebi a cara estranha que ele fez à Brigida na sexta passada na sala de aula, aquela cara que me arrepiou. Era uma cara quase que de desejo. Desejo por uma miúda de 7 anos. De 7 anos, uma criança, uma criança que não sabe distinguir estas mostroozidades de uma brincadeira, de uma ingenuidade. Uma criança. A minha Brigida.
Sinto-me perdida, sinto-me sem o meu norte, sinto-me abatida, sinto-me sem armas. Como me passa tanta coisa ao lado nesta terra de ninguém?


Quando em inscrevi no Pumap achava-me uma pessoa forte, uma pessoa forte o suficiente para aguentar muita coisa que se passava neste outro Mundo tão diferente e tão igual ao meu. Estava tão enganada. Encontro aqui situações com as quais não sei lidar, não sei agir, às quais não sei responder. Deitam-me pelo chão, revoltam-me, tiram-me a força. A intensidade de África é boa e má. Hoje, hoje foi má. Hoje sinto-me sem forças. Hoje não sinto, simplesmente, mais nada a não ser revolta.


Hoje não sou nada. Hoje sou apenas mais uma nesta multidão.

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