sábado, 29 de agosto de 2009


Fotos: Orfanato 1º de Maio

A reacção não era a mesma, as feições não eram as mesmas, o olhar estava alterado, o sorriso dava lugar a uma tristeza, os berros típicos de crianças eram substituídos pelo silêncio que nunca reinava aquele orfanato.
Os mais pequenos não se aperceberam o que aquele último "olá" significava, mas os mais crescidos sim. Aquele "olá" seria o último, o derradeiro, a última visita, a última entrega tão próxima, o último sorriso partilhado, o último abraço. Sim, foi o último dia em que pisamos o orfanato 1º de Maio, que sentimos aquele calor a que já estávamos tão, tão habituados.
As horas foram passadas a brincar com os mais pequeninos. Os mais velhos não se aproximaram. Senti exactamente o que senti quando ali pus os pés pela primeira vez: que aquelas crianças não se deixavam tocar, não se aproximavam de nós a não ser pelo toque, não se ligavam, não nos deixavam ir mais além.
O toque foi habitual, os mais pequenos não sabiam que cada sorriso era uma despedida, por isso foram tão desprendidos como o usual, nem nós quereríamos de outra forma.
Via ao longe o olhar da Clarinha, da Florença e do Vicente. Falo-vos especialmente deste três meninos que me marcaram como nunca. O Vicente dava-me abraços leves, rápidos apenas quando lhe pedia, a Clarinha fingia nunca me ver, passando mesmo à minha frente, a Florença mirava-me sempre de longe, numa cara sem expressão.
Chegava a hora, não podíamos prolongar mais, era tudo demasiadamente doloroso. Despedi-me de todos com um beijinho na testa sem que algum deles se apercebesse que o meu aperto no coração aumentava com cada beijinho.
Foi nesse momento. Com o Vicente já abraçado a mim vi a Clarinha correr para os meus braços. Suplicou-me que não a abandonasse, que não me fosse embora, que não a deixasse, fazendo-me promessas de bom comportamente que supostamente me iriam convencer a ficar. Tentei explicar-lhe que não podia ficar da melhor forma que o limite da força que fazia para não chorar conseguia. Agarrada a mim já ao portão batia com os pés como quem faz uma birra e continuava a pedir. Sentou-se em frente do Portão para eu não o conseguir abrir. Não me queria deixar sair daquele sitio, não percebia a minha partida, não entendia que se gostava tanto dela o porque da minha despedida. Choramos as duas juntas com o Vicente ainda agarrado a mim. Nessa altura chega a Florença. Aquela menina que tão raramente esboçava sorrisos, que tão levemente me deixava entrar no mundo dela, que tão dificilmente me olhava de frente começou a chorar sofregamente. Chorou, chorou, chorou. Nunca me custou tanto, ainda agora me arrepio. Nesse momento disse-me:

"_Sabes porque é que nunca falava contigo Ana?"

"_ Não Florença, diz-me."

"_ Porque me vais deixar, porque já sabia que ias embora. Vão todos para casa, eu fico sempre. E fico sempre sem as pessoas que gosto."

Como doeu. Nunca, nunca na minha vida me custou tanto uma atitude minha. Nunca!
"Morri" aos pedaços por dentro, vagarosamente, na meia hora que estive em frente ao portão do orfanato com aquelas 3 crianças. A "morte" é dolorosa, pelo menos a minha naquele momento foi.

Afinal de contas consegui tocar aquelas crianças tão aparentemente intocáveis.

3 comentários:

  1. As despedidas são normalmente dolorosas, ainda para mais neste caso.

    O que importa é saberes que deste tudo o que estava ao teu alcance para proporcionares dois meses de alegria a estes pequenos.

    É triste serem só dois meses? Certamente que sim, que eles quereriam mais.
    Apesar de serem só dois meses, será que compensa? Claramente compensa. Para ti, pelo sentimento de realização pessoal e crescimento que acredito que levas, e sobretudo para as crianças que se calhar tiveram dois dos melhores meses da vida delas. Por muito que lhes custe a despedida.

    "Hás-de voltar". :)

    Um beijinho Ana.

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  2. que sorte, adorava fazer voluntariado assim num país africano e com crianças!

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