segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Foto: As pintarolas
Sentei-me na secretária de aula. Pedi para as minhas 7 pintarolas se juntarem a mim. Hoje faltava o Sipriano. Ainda bem, o meu primeiro confronto com a despedida seria menos doloroso.
"_Meninos a professora tem que falar com vocês sobre uma coisa!"
A rita fez cara de espanto, a Ema de medo, o Igor de desconfiado, o Kevin não moveu a expressão que já tinha, a Brigida continuou com o seu sorriso sempre presente e o Faquir abriu a boca. Senti o coração tremer. Estava rodeada das minhas pintarolas, dos meus meninos. Como gosto daqueles miúdos.
"_Minhas pintarolas vocês já sabiam que a professora ia ter que ir embora não sabiam? - recebi uma resposta afirmativa com a cabeça em conjunto. Os olhares dos seis mudavam, trocavam-se uns com os outros e encontravam-se não sei bem a procura do que - pronto, esse dia vai ser sexta-feira. A professora vai embora sexta-feira. Igor vai lá apontar à cartolina em que dia da semana estamos e quando é sexta-feira."
Acho que nunca vos disse. A "parede das pintarolas"- como lhe chamo- é uma das paredes da sala sombria e com cheiro estranho em que dou aulas. É a parede junto às secretárias onde trabalhamos. Esta minha parede está repleta de cartolinas, de desenhos, de estratégias desesperantes para tentar fazer com que as cores, o abecedário, as palavras, as horas, o calendário fluíssem mais facilmente naquelas cabecinhas. No meio de tanta tralha de parede, existe o calendário. O Igor, apesar de ser o mais alto da turma, é pequenino e só chega ao calendário em cima da cadeira e de bicos de pé. Assim, nesta mesma posição, apontou para segunda-feira e disse:
"_ Estamos aqui. Não é senhora professora?"
"_ Sim muito bem Igor. E quando é sexta-feira?" - respondi eu.
"_ Sexta-feira é aqui!"
Falou antes de apontar. Antes de apontar parou a olhar para a cartolina. Virou-se para mim e disse:
"_ Já?"
Olharam todos para mim à espera de uma resposta que eu mesma não tinha. Sim já, era já.
"_ Mas a professora volta, não volta?" - os olhos de interrogação sugavam-me. Não queria responder que talvez não o iria ver mais. É o mais provável, sim infelizmente é verdade. Não o queria dizer, pensar, reflectir, sentir.
"_ Talvez queridos."
"_ Para o ano?"
"_ Não para o ano vêm novos professores. Não sou eu, nem a professora Joana, nem o professor Elias. Vai ser giro, vão ver. Os outros professores vão ser vossos amigos."
Foi então que o Igor perguntou de rompante como quem arranca rapidamente a cera para não magoar tanto.
"_ A professora não volta... Nunca mais?"
Fiquei calada. Não tive resposta, não tive reacção. Aprendi aqui em África a, por vezes, não ter reacção às coisas. Ficar calada, sem saber o que dizer, o que fazer, o que sentir.
Agarrei-me a eles, sim em plena aula, não queria saber o que a professora iria achar. Estava ali, naquele pedaço de aula que é o meu, que é o meu espaço de cor naquela sala sombria.
"_ Quando for embora eu vou chorar. Vou ter saudades professora" - disse a Ema, afirmaram os outros.
Estas são as minhas pintarolas, o meu orgulho, os meus olhos, os meus berros, a minha pureza, a minha dedicação, o meu suor, a minha luta, a minha vitória!
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Agora entendes o que eu sinto no final de cada ano lectivo. Apesar dos bons e maus momentos, dos bons e maus alunos, são os meus alunos. Não os escolhi, caíram no horário, respirei fundo... Durante um ano luto por eles e dou o meu máximo. è assim a VIDA DOS PROFESSORES.
ResponderEliminarBeijinhos estou ansiosa pelo teu regresso.
és uma grande mulher! parabéns!
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