quinta-feira, 30 de julho de 2009


Mãos calosas, pele escura, olhos cansados da vida, rosto de quem já nada espera do amanhã, braços de quem já da vida teve o pior, voz de sabedoria, passos de simplicidade, a serenidade que só uma pessoa vivida tem, gestos de fidelidade, o sentar rotineiro, o sorriso constante, a força que custa a ganhar, o "Bom dia" sempre matinal.

Apresento-vos o Senhor Filipe, o nosso porteiro.
Nunca ninguém percebeu a vida do senhor Filipe. é impressionante como nos cruzamos todos os dias com certas pessoas que nunca parámos para perguntar, para falar mais, para tentar ir além da simpatia, talvez, superficial, para tentar entrar na vida dessa pessoa. Quem me dera ter percebido a vida do Senhor Filipe mais cedo. Numa terra onde impera a lei do mais forte o Senhor Filipe é um perdedor, ou melhor na minha perspectiva um vencedor, um grande vencedor que merece qualquer mérito que lhe possa dar.

Deixem-me explicar-vos melhor. Imaginem um senhor pequenino, magrinho, que sentado à porta da vossa casa numa cadeirinha de plástico todos os dias vos abre a porta de casa, vos dá um "Bom dia" caloroso, sorridente e delicioso num inicio de dia. Conseguem? A conversa que tinha tido com o senhor Filipe não passara disto e da conversa sobre o tempo. Como fui capaz de passar ao lado desta realidade que me era tão próxima e, no entanto, tão paralela?

A forma como vejo o Senhor Filipe mudou na semana passada. Descobrimos que a dona da casa a quem alugamos, não lhe pagava o ordenado fazia 3 meses. Não estão a entender... Num país em que o nível de vida, os preços são idênticos aos nossos em Portugal a verdade é que o Senhor Filipe ganhava 60 euros. Sim só recebia este ordenado e mesmo assim não recebia fazia 3 meses. A revolta em mim às vezes nesta cidade começa a vir ao de cima. É demasiada injustiça tantas vezes.

Ouçam-me. Quem me dera já ter acabado esta triste e forte história. Mas não. O senhor Filipe tinha sido despejado de casa, não tinha como pagar, vivia com um filho, mas dormia a maioria das vezes na entrada da nossa casa. Conseguem imaginar esta realidade? O Senhor Filipe não comia fazia tempos. Não, não devem conseguir imaginar. Eu estou aqui ao lado e não consigo imaginar a vida desesperante deste, hoje, meu herói. Nunca, nunca nos disse nada, nunca nos pediu um pedaço de carne, nunca nos pediu dinheiro, nunca nos negou o sorriso matinal, nunca recusou a conversa do tempo tantas vezes chata, nunca entrou em casa quando a porta está aberta. Nunca, e morria lá fora enquanto com a luz de casa ligada e a fartura a reinar nunca nos apercebemos desta triste e revoltante realidade.


A revolta toma conta da minha forma de ver o Mundo às vezes.
Digam-me, se o Senhor Filipe não é um vencedor neste Mundo então o que é?

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