terça-feira, 21 de julho de 2009

Orfanato 1º de Maio




Em Portugal existe lua? - Dudu 20.07.09

Vê, estas são as crianças do Orfanato 1º de Maio.
São crianças, como as vezes não as consigo ver como crianças.
Vê, são crianças que já sofreram imenso, são crianças que foram maltratadas, violadas, tiradas aos pais, que lhes tiraram os pais, que não tiveram família, que se a tiveram já não a têm.
Vê, são crianças do mais puro que há, crianças que já sofreram mais do que eu, são crianças que já aguentaram mais do que eu mesma talvez aguentaria.
As vezes não sei como é que sou eu que lhe ensino alguma coisa, como é que sou eu que ali sou o exemplo, como sou eu que sou algo para sugar. Sugo mais do que talvez dê. Aprendo todos os dias com eles. A simplicidade, a genuidade, a força. São crianças incríveis.


Vê, talvez não me esteja a fazer entender. São crianças de olhares cheios e vazios ao mesmo tempo. São crianças que querem tudo de ti e ao mesmo tempo não querem nada. São crianças que não esperam nada da vida.

Escuta, ouves o que te digo? Digo-te que são crianças que não esperam nada da vida. Como é isto possível? São crianças. As crianças brincam, as crianças querem crescer depressa para viver tudo, as crianças recebem amor, as crianças querem tudo de todos, as crianças vivem intensamente o dia-a-dia. Ali não. Ali os dias são iguais. Ali as pessoas que entram naquelas salas são vistas como apenas uma passagem nas suas vidas. Uma passagem que talvez intensa, mas não mais o que isso. São crianças que não se querem prender, que só querem tocar, que só querem cantar uma música connosco. São crianças que não nos deixam chegar ao seu fundo. Quanto fundo será o seu fundo?

Haverá algo mais terrível do que ver um olhar vazio de uma crianças? Do que uma criança não acreditar no amanhã? Do que a vivência apática de cada dia? Escuta, são crianças. São crianças africanas, fortes, amáveis, sempre sorridentes, com o seu mundo. O seu mundo... Como queria chegar ao seu mundo.


O mundo destas crianças está neste momento a tocar o meu mundo. É um calor bom.

1 comentário:

  1. Olho-te daqui, meu filho, vejo-te brincar com os
    pequenos cubos que a tua imaginação rapidamente
    transformou em comboio, e interrogo-me:
    Que destino é o teu? Que futuro temos nós para te dar?
    E haverá futuro com tantos mísseis apontados ao
    coração?
    Ao interrogar-me assim, imediatamente
    me censuro: Como posso eu consentir à roda dos
    teus três anos de idade a sombra espessa e
    inquieta destas interrogações? Mentir? E como
    poderia eu pactuar com a mentira, ocultar esta
    inquietação, este medo de te ver crescer num
    lugar tão precário como é a terra? Como deixar
    de pensar que contigo crescem no mundo milhões
    de crianças sem ternura, e que tantas outras morrem
    simplesmente de fome? - enquanto os homens,
    e quando digo homens tenho em mente os responsáveis
    pelos nossos destinos, continuam numa desenfreada
    corrida a armamentos cada vez mais dispendiosos e
    mortíferos, a construir reactores e centrais que não
    tardarão a pôr-nos o lixo nuclear à porta, comprometendo
    assim toda a economia do planeta, o seu equilíbrio ecoló-
    gico, a sobrevivência das espécies, multiplicando a
    angústia, o terror de uma catástrofe atómica, fazendo-se
    da vida a negação da própria vida, transformando-se o
    homem, esse «prodígio» de que falavam os gregos,
    no «monstro» de que fala Pascal.
    E tudo isto para manter a mais bárbara, a mais vil,
    a mais hipócrita das sociedades - uma sociedade
    meramente mercantil, cujo objectivo único é o lucro,
    sem qualquer finalidade moral.

    Olho-te daqui, Miguel, vejo-te brincar com os
    pequenos cubos, juntando-os e empurrando-os,
    comboio seguindo viagem para um qualquer lugar
    onde se não chegue dilacerado ou amputado
    da alegria de o homem se sentir nascer para
    um amor novo, uma imaginação nova, distante já,
    e vamos dizê-lo com tremendas palavras de
    Nietzsche, desse asilo de alienados que
    durante tantos anos foi a terra.


    Eugénio de Andrade


    Porque há sempre alguém que diz tudo por nós, um beijinho cheio de orgulho,

    ResponderEliminar